Daqui a um par de anos a experiência de ver televisão será muito diferente. Ao mesmo tempo que se prepara a migração para o digital, aumentando muito a experiência de ver tv em termos de qualidade, está-se a preparar uma plataforma que coloca todos os conteúdos da internet dentro da televisão e à distância de um par de cliques. No Reino Unido, a BBC está a desenvolver um protocolo unificado para televisão na internet. É o Project Canvas, um consórcio confirmado ontem que quer criar um esquema para permitir aceder aos conteúdos web a partir da tv. Lá o argumento é o da maior liberdade de escolha, incluindo para os que optaram por não aderir aos serviços de pay-tv. No mesmo sentido vai a Google Tv, que arranca daqui a seis meses e promete uma revolução nos hábitos de consumo de televisão. Em ambos, a ideia é a mesma: unificar a imensa escolha dos conteúdos disponíveis na net (a plataforma) e disponibilizá-los através da tv (o interface). Passa a existir mais poder na mão dos consumidores, que ficam totalmente independentes de horários, fornecedores e distribuidores de conteúdos. A evolução dos hábitos e o aumento da qualidade dos conteúdos permite antecipar que o modo como vamos consumir tv daqui a um par de anos seja muito diferente.
Este cenário tem implicações tremendas para a própria experiência de consumo de tv, porque mexe com a publicidade, com a distribuição de sinal, com as audiências e com a sustentabilidade do negócio-televisão como o conhecemos hoje. Se este formato vinga – e tudo parece apontar nesse sentido –, será a profissionalização do vídeo na web, incluindo mecanismos para rentabilizar o conteúdo. Debaixo de fogo passam a estar os canais de tv, exactamente como há dez anos estiveram os jornais. E quanto ao futuro destes não há muito a dizer.
Há aqui dois aspectos importantes: um é o formato, visto que as estações de tv passarão a ser qualquer coisa parecida com canais de Youtube personalizados. Outro é o conteúdo, pois iremos optar por canais na estrita medida em que eles tenham um factor diferenciador que justifique a escolha. Passo a explicar. Se eu quiser ver o CSI não vou em busca da SIC nem ao AXN, vou ao motor de busca e digito «CSI + legendas pt» e acedo directamente ao conteúdo que pretendo; mas se quiser ver desporto, já sou capaz de digitar «Sport Tv» (ou Mezzo se quiser música clássica). E tudo se resume a uma questão de identidade.
Neste sentido, quem mais vai sofrer com estas mudanças são os canais com menos identidade: os generalistas. São eles que estão mais dependentes dos humores do mercado, que mais sufocam com as audiências e consequentes receitas publicitárias, e os que mais vezes são acusados de «serem todos iguais». Como em quase todos os negócios da era digital, sobrevivem melhor os inovadores, em detrimento dos tradicionalistas. Faltam dois anos, e tal como nos jornais há uma década, ninguém parece muito preocupado com o assunto.
Esta questão da identidade dos canais merece outra conversa, para um destes dias – é assunto bem mais trabalhoso.
Diogo Queiroz de Andrade